A Arrancada Para a Emigração
A arrancada propriamente dita aconteceu em
uma noite, poucos dias após a resolução de deixar a Rússia e aventurar um
futuro que parecia promissor. Parece que Rudolf Figur ainda estava morando com
seus pais e por isso seria mais fácil a saída: primeiro, para desfazer-se de
seus pertences, pois poderiam levar somente aquilo que fosse possível carregar
nas costas, num carrinho de mão, ou em um trenó puxado por um cavalo. A bagagem
deveria ser mínima para uma saída supostamente clandestina. A certidão de
casamento só foi tirada cinco anos depois na Secretaria da Paróquia, como
demonstra a cópia da mesma. A saída não deveria ser notada logo para que não
houvesse perseguição e prisão por tentativa de fuga. Talvez nem os vizinhos
mais próximos tivessem notado a ausência de Rudolf, da esposa e do filho nos
primeiros dias. Quando chegaram perto da divisa com a Áustria encontraram um
amigo que os orientou na maneira de passar para o outro lado da fronteira sem
serem molestados ou presos e mandados de volta. A orientação era a seguinte: cada
guarda de fronteira, alternadamente, um austríaco e um russo, tinham dois quilômetros
para vigiar. Ambos deveriam ir na mesma direção, ou norte, ou sul, para não se
encontrar e combinar algo contra o regulamento. Os tranfugas deveriam se
esconder perto da fronteira e observar qual seria o melhor momento para
passarem ao outro lado. Uma vez atravessada a fronteira e a certa distância
eles não seriam mais perseguidos e molestados. Dali para adiante facilmente
encontrariam um agente de emigração para agenciá-los para trabalho ou compra de
terras na América e arrancariam passagem até Trieste ou Gênova de onde seriam
embarcados para a América. Assim o Sr. Rudolf Figur, sua esposa e seu filhinho
primogênito, o Gottlieb, com pouco mais de um ano chegaram à cidade de Trieste
onde foram embarcados num navio genovês, o Julia. Depois de seis semanas
chegaram a ilha das Flores, no Rio de Janeiro, porém com um filho a mais, que
nascera durante a viagem. O pequeno Gustav não sabe dizer, mais tarde, se nasceu
russo ou brasileiro. Como foi para muitos filhos daquela época, era fácil
escolher a cidadania, mas o Gustav tornou-se automaticamente brasileiro pela “grande
nacionalização”. Depois da Proclamação da República em 1890, a nova Constituição
Brasileira estabeleceu para todos os estrangeiros que dentro de certo prazo não
registrassem ou reclamassem a sua cidadania, que, por força da lei, eram
considerados brasileiros. A mesma coisa aconteceu com Gottlieb, que era
eleitor, feitor de estradas, capataz, etc., até a “nacionalização” que o privou
do direito de ser brasileiro, na Segunda Guerra Mundial. Apesar de já ter
filhos reservistas, era considerado “russo” e obrigado a requerer a Carteira de
Estrangeiro. O que fazer, se as leis brasileiras eram maleáveis na
interpretação de certos funcionários incompetentes mas supostamente
importantes. Isso nada mudou a vida e o caráter do Gottlieb que, em sua
integridade moral continuaram dando sua contribuição para que o Brasil
crescesse e se desenvolvesse respeitando os direitos humanos e internacionais.
Os Ancestrais Maternos
A história da família JUBIN tem estreita
relação com os “exultantes”, desterrados ou excomungados luteranos de Salzburg,
dos quais eram descendentes.
Quando em 1731-32, o Arcebispo de Salburg
ficou sabendo que ainda existiam muitos “protestantes” em seus domínios
diocesanos, prometeu que: “Antes que permanecesse um protestante em seu
domínio, preferia que as terras produzissem cardos e espinhos”. Em 24 de novembro
de 1732, no início do inverno ordenou a todos que não tivessem bens imóveis
que, se em oito dias não voltassem ao “seio” da igreja, deveriam deixar
Salzburg. E ordenou àqueles que tivessem bens imóveis que teriam um ano pra
resolver: voltar para o catolicismo ou deixar Salzburg somente com os bens que
pudessem levar num carrinho de mão ou carregar nas costas. Foram mais de 20 mil
luteranos obrigados a deixar as terras do Barão (Freiherr) Leopold Anton Von
Fitminiann sem roupa suficiente, sem indenização dos bens que ninguém queria ou
deveria comprar. Os mesmos bens acabaram sendo distribuídos entre os “fiéis” ou
“convertidos” católicos remanescentes. Dentre aqueles que preferiram deixar os
bens materiais e escolhera pobreza no estrangeiro, estavam os nossos
ancestrais. Escolheram viver livremente sua fé e convicção religiosa. Eram os
antepassados de Samuel Jubin e Rosalia Schmolente, ou Schamulandt, talvez
Schaumuland. Esses patriarcasde Salzburg foram recebidos e assistidos em
fartura pela população protestante. Foram mais tarde transferidos pelo Rei
Frederico I para as novas colonizações, nos domínios do cavaleiros Teutônicos
da Prússia Oriental, Polônia, Lituânia e Bielo-Rússia, onde com auxílio do
governo alemão puderam se estabelecer vivendo sua fé com liberdade.
Não temos notícias mais acuradas quanto a
vida que esses novos imigrantes levavam,
como foram tratados q quais os lugares exatos onde se estabeleceram. A Vovó
Rosália apenas contava que eram descendentes dos “Salzburgianos” e guardavam
bem o “Sendbriefe de Joseph Schaitberger”. Ele os escreveu do exílio de
Nuerenberg onde se refugiara da perseguição dos “fiéis católicos” de Augsburg,
de 1693 até 1732. Vovó tinha essas cartas circulares (Sendbriefe) e, ainda em
idade avançada era sua leitura predileta. Guilherme Figur tem um exemplar que
ela usava. Sabemos que Vovó Rosália nasceu em Lodz e se criou na rua “Nemnetzkaia
Uliza”, rua do Quarteirão dos Estrangeiros, alemães, ou “gringos”.
Da história familiar do Vovô Samuel Jubin não
temos nenhuma referência. Mas a vovó, quando estava disposta, contava o
seguinte: quando ainda tinha menos de um ano, na revolução dos fanáticos
poloneses, os soldados vieram procurar dinheiro e joias dos “Nemntz” matando os
estrangeiros que encontravam. Ela ainda mostrava uns quadros da perseguição
fanática e cruel, mostrando os soldados abrindo os ventres das mulheres
grávidas, espetando as crianças com a lança e as atirando diante de porcos e
cães. Trucidavam homens e matavam quem quer que encontrassem. Ela, com menos de
um ano, escapara milagrosamente. Quando os “patrícios” reviraram a casa,
tombaram o berço onde estava dormindo. Ficou escondida entre travesseiros e
cobertores. Uma tia a encontrou depois de uma hora e a salvou. Três ou quatro
anos mais tarde, em uma nova onda de perseguição, ela e sua tia de esconderam
debaixo de cobertas e, quando os soldados as encontraram exigiram “penunse”,
dinheiro da tia, mas como ela nada tinha, encostaram as bainetas e sabres no
seu pescoço, exigindo sempre “penunse” até a ferir. Ela, a vovó, debaixo da
coberta espiou, e depois sempre lembrava “nada
é mais feio e assustador que cara de polaco brabo”. A vovó nunca falou de
seus pais, mas parece que foram sacrificados na primeira onda de “nativismo
polonês”. Só falava da tia que a criou.
Dos Jubin, só temos registro que a Rosina (que
não sabemos quem é) casou-se com Martin Reimann, eque em 1910 emigrou para o
Brasil radicando-se em ijui-RS, na linha 8, onde ainda vivem os seus
descendentes. O vovô Samuel veio ao Brasil em 1889, instalando-se em
Jaraguá-SC, de onde em 1910 mudou-se para Erechim-RS, hoje Getúlio Vargas-RS.
Namoro e Casamento
O namoro e casamento eram bastante restritos
e para nossos dias impossíveis. Quando os pais achavam que o filho era núbil,
eles escolhiam a futura nora, às vezes em companhia do “pretendente”. Outras
vezes eles primeiro exploravam a situação, encaminhavam o encontro e, se desse
certo, em poucas semanas celebrava-se o noivado e, depois de três semanas, o
casamento. Os noivos davam-se por satisfeitos por poder formar o seu próprio
lar. Mas essa construção do novo lar não ia tão rápida, pois era difícil construir
uma casa própria e, como talvez o noivo tivesse recebido seu quinhão do “Senn”,
terra para trabalhar por conta, teria que trabalhar com o pai, e a nora iria se
enfronhar bem na vida familiar dos sogros. As vezes aconteciam que dois ou três
filhos casados continuavam morando na casa dos pais, mas tudo em harmonia,
organizado pelo pai, “patriarca”. Não se ouvia falar muito de sogra brava com
nora rabugenta. Era tabu e pronto.
Educação no Lar
A educação continuava no lar e ficava a
encargo dos pais. Durante as noites longas de inverno as crianças
exercitavam-se em leitura, caligrafia e contas. Quando maiores, as crianças
realizavam trabalhos manuais para se profissionalizarem e alcançarem a
emancipação.
As filhas aprendiam a fiar os fios de cânhamo*
e linho, a manejar os teares para preparar o pano necessário à família, sacos e
panos de eira e todo o negócio ou “Wirtschaft”. Começavam a preparar o seu
enxoval para eventual casamento. O enxoval constava tanto de peças de roupa de cama,
tantas peças de vestuário e mais uns panos de louça e parede, com o que
mostrava a sua capacidade. De 18 a 20 anos, a moça se tornava núbil, apta para
casar, se soubesse as artes domésticas, a arte culinária, a padaria e tivesse
completado o seu enxoval.
Os filhos não tinham muita folga, precisavam
se aperfeiçoar nos conhecimentos relativos ao oficio de agricultor e futuro
senhor. Eles deveriam saber lidar com todos os instrumentos da agricultura,
prepará-los e consertar os mesmos, tanto os arados, as carroças, correames para
os animais, manejar machados, a machadinha, o enxó para madeira, como outras
ferramentas necessárias para preparar as madeiras para construção e, como
marceneiros, preparar os seus móveis e apetrechos de mesa, isto é, colheres de
pau, bacias de madeira, gamelas, rolos de mesa, etc. A falta de domínio dessas
artes todas podia retardar as declaração de ser núbil, em geral aos 200 ou 22
anos.
Vida Familiar e Atendimento Religioso
A vida familiar, o
atendimento religioso e instrução eram totalmente uniformes em todas as aldeias
e vilas. Os filhos recebiam instrução para ler e escrever em cãs. No inverno,
aprendiam em conjunto com o “Kuester”, diácono da vila, que dava aulas e
principalmente instrução religiosa e canto. Esse diácono ministrava aulas
durante o inverno quando os filhos não podiam ajudar os pais na lida rural,
desenvolvia cultos de leitura, ensaiava cantos, instruía os confirmados,
realizava os batizados de emergência e os enterros. O pastor comparecia só três
a quatro vezes no ano quando ocorriam os cultos, celebrava a Santa Ceia, realizava
os casamentos e as confirmações dos catecúmenos. Nessas ocasiões verificava os
registros de todos os casamentos e batizados expedindo as devidas certidões que
tinham valor civil e religioso ao mesmo tempo. Geralmente o pastor permanecia
dois dias para completar a visita e concluir as atividades nessa aldeia. Eram
dias de festa.
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