Contexto Histórico Por Trás da Imigração de Nossos Antepassados
Texto revisado por Patrícia Gutjahr,
filha.
Não sabemos ao certo
as causas que levaram, em 1763, os alemães da região de Baden-Württemberg (sul
da Alemanha) a abandonarem a sua terra natal e emigrarem para as regiões
férteis das planícies do rio Volga e da região de Wollynien, na Rússia. Uns
alegam ter sido a procura por terra, motivada pela proposta irrecusável feita
por Katharina II, uma princesa alemã, que ocupava o trono da monarquia dos
Czares na Rússia. Outros afirmam que a causa tenha sido motivos religiosos. Os
luteranos queriam viver num país, no qual pudessem praticar livremente as suas
convicções religiosas.
Na época muitos
outros países necessitavam de imigrantes. Os Estados Unidos, o Canadá, a
Austrália, a Nova Zelândia e as Américas. Mas nenhum país fizera proposta
melhor do que Katharina II, que ocupou o trono durante 33 anos. Assim, 27.000
alemães, atendendo o seu chamado, emigraram para a Rússia, sem impedimento
algum de documento ou burocracia alfandegária que pudesse dificultar a sua
entrada. As facilidades não pararam por aí. Foi-lhes doado a terra como
propriedade; foi-lhes concedido isenção de impostos; foi-lhes oferecido auxílio
financeiro para custear o início das atividades; aos imigrantes e aos seus
descendentes foi concedida isenção do serviço militar. Além disso, foi-lhes assegurada
plena liberdade religiosa sendo permitido construir as suas igrejas e escolas;
também lhes foi garantido o direito inviolável de cultivarem a sua língua
materna, os seus costumes e as suas tradições. Os imigrantes alemães
corresponderam a estes privilégios e a estas vantagens e prosperaram
rapidamente. Sentiam-se felizes, acolhidos e valorizados em sua nova pátria.
50 anos depois, em
1812-13 sob o reinado do Czar Alexandre I, foi feito um segunda chamado ao povo
alemão da Prússia (aqui incluo os meus antepassados, tanto paternos, quanto
maternos) e das Províncias de Posen, Pomerânia e de Mecklenburg, com as mesmas
propostas anteriormente feitas por Katharina II. Com estes imigrantes, na sua
maioria luterana, menonitas, pietistas e católicos, iniciou-se a colonização do
sul da Rússia, nas regiões da Ucrânia e da Criméia. Diz-se que da mesma forma a
emigração se deu por motivos religiosos confessionais.
Oitenta anos depois,
em 1892 (Alexandre III), todas as colônias alemãs foram
"russificadas", isto quer dizer: perderam a isenção de impostos, a
isenção militar e nas escolas, além da língua alemã que vinha sendo
administrada, introduziu-se também a língua russa. Esta adaptação, devido aos
longos anos de vivência em solo russo, foi assimilada sem traumas.
Com o constante
aumento da população, no começo do século 20, o monstro chamado falta de terra
começou a rondar também a Rússia. Assim, em 1905, o governo decidiu colonizar
as vastas estepes da Sibéria. Embora a Sibéria fosse até então conhecida e
temida apenas como região de desterro e de trabalho forçado (nas minas de
carvão) imposto aos infratores da lei, as suas imensas planícies eram favoráveis
à agricultura e à criação de gado. Levas e mais levas de russos e descendentes
de imigrantes alemães de todas as regiões do Wolga, de Wollynien, da Ucrânia e
da Criméia rumaram para o sul da Sibéria, a algumas centenas de km da fronteira
com a China, tendo como centro referencial de comércio a cidade de Slawgorod.
Lá se estabeleceram
em aldeias, não muito distantes umas das outras, construíram as suas igrejas,
as escolas, contrataram professores. Os feriados religiosos eram guardados e
exaustivamente comemorados. Embora morassem em aldeias separadas, os luteranos,
os menonitas, os católicos e os pietistas visitavam-se mutuamente, negociavam
entre si, respeitavam-se e praticavam, pacificamente, a política da boa
vizinhança. As terras não lhes foram doadas pelo governo, compraram-na. Embora
o inverno fosse longo e rigoroso, prosperaram devido às excelentes colheitas de
trigo e as abundantes pastagens para os rebanhos de gado e de ovelhas.
Em 1914 irrompeu a
primeira guerra mundial. A guerra ainda não havia acabada quando, em 1917, a
Rússia mergulhou em uma impiedosa e sangrenta revolução interna. A monarquia
dos Czares foi deposta e assassinada. O comunismo tomou o poder. Com ele, o
medo e o terror alastraram-se por todo território russo. Os comunistas usavam a
bandeira da Revolução Francesa pregando liberdade, igualdade e fraternidade,
prometendo ao povo o paraíso e o céu na terra. Não é de estranhar que também
filhos de descendentes alemães abraçaram esta causa e engrossaram as suas
fileiras. Mas não tardou para se conscientizarem que estas promessas não
passavam de um engodo e de uma grande mentira. Os comunistas declararam guerra
contra a religião e contra o patrimônio. O paraíso prometido tornou-se um
inferno. Profundamente decepcionados, os nossos pais tiveram que aguentar
calados o ódio e a ferrenha perseguição empreendida contra a Igreja. Logo
contra eles, que no passado abandonaram a sua pátria para emigrarem para um
país onde pudessem praticar livremente a sua confissão, a qual, através dos
séculos, cultivou com amor e dedicação, nas igrejas, nas escolas e em suas
famílias, visando transmiti-la inalterada aos seus descendentes. Cheios de
tristeza tiveram que assistir seus conceitos cristãos serem desprezados,
ridicularizados e, como se isso não bastasse, eles próprios, pelo fato de
pertencerem a um credo religioso, serem declarados inimigos do poder.
As igrejas foram
fechadas. Muitas escolas foram arrancadas, e em seu lugar foram construídas
creches. Os pais tiveram que assistir, sem nada poder fazer, aos seus filhos
serem alienados dos princípios cristãos e serem doutrinados no regime
comunista-marxista. Esta situação tornou-se insuportável e, a longo prazo,
insustentável. As suas propriedades foram invadidas, saqueadas e
desapropriadas. De proprietários passaram a operários, para não dizer escravos,
nas granjas coletivas, as assim chamadas colcozes, ou kommunas. A sua autoestima
e o seu orgulho de agricultores livres foi ferido ao extremo. Por isso, hoje,
todo movimento seja ele político, religioso ou social, que tem por objetivo a
invasão e a desapropriação, encontra nos descendentes destes imigrantes uma
grande resistência e um alto e sonoro não. Quem sentiu na própria pele entende
melhor a dor que esta injustiça causa. Somos contra o acúmulo de terra, cuja
finalidade é a especulação, mas entendemos que liberdade tem algo a ver com
propriedade, ou melhor, que as duas coisas andam juntas e são inseparáveis.
Visto deste prisma podemos afirmar, (esta afirmação não é minha, podemos
encontrá-la na revista VEJA, do dia 09 de fevereiro de 2000, página 57):
"O comunismo foi um equívoco ideológico que produziu uma catástrofe
humana", jogando na miséria, material e espiritual, milhões de seres
humanos. Escutando no sábado passado, 29 de julho de 2000, a VOZ das AMÉRICAS,
noticiou-se que o atual Presidente da Rússia, Wladimir Putin, baixou um Decreto
tornando obrigatório o ensino religioso em todas as escolas russas. Temos a
impressão que não apenas a Natureza se vinga, quando o homem dela abusa, mas
também a História.
Mais e mais a vontade
de abandonar a Rússia foi crescendo, e secretamente alastrou-se como uma
epidemia entre os descendentes alemães. Sair deste inferno e desta prisão, na
qual eles se sentiam inseridos. Emigrar! Sim, emigrar. Um mundo de preocupações,
de incertezas, mas também de esperanças encerra-se nesta palavra. Significa
despedida da pátria, da terra, da horta e do quintal, do bezerro no curral; da
velha macieira que o avô ainda havia plantado. É a separação da família, de
parentes e de amigos, para ir ao encontro do desconhecido, colocando em jogo a
sua sobrevivência, mais do que isto, colocando em jogo a sua própria
existência. Conseguiram sair via Moscou aproximadamente 5000 pessoas; milhares
não conseguiram sair e tiveram que voltar para o lugar de origem. Os pais que
resistiam eram presos e levados para os campos de trabalho forçado. Os seus
familiares nunca mais tiveram notícia deles. De Moscou para Riga, a capital da
Letônia, de lá para Hammerstein, na Alemanha, onde ficaram alojados e receberam
documentos alemães; do porto de Hamburg para a Ilha das Flores, no Rio de
Janeiro; do Rio para Porto Alegre, para Santa Bárbara do Sul. De lá, 251
famílias luteranas para Iracema, Mondaí, SC e 84 famílias católicas para
Aguinhas, São Carlos, SC. Muitos conseguiram fugir pela China, onde a fronteira
era mal guarnecida.
Aqui, no meio do
mato, o duro trabalho de começar tudo de novo, com o peito oprimido pela
saudade da pátria, amada como mãe, mas que lhes fora madrasta. Em uma de minhas
viagens de Florianópolis para Iraí, passei por São Carlos e procurei o Sr. Nicolai
Beirith. Através do seu filho Rudolf eu fiquei sabendo que o seu pai Nicolai
reatara a correspondência com o seu irmão que havia ficado na Sibéria. Para ele
dirigi-me solicitando que escrevesse para o seu irmão e perguntasse se o
sobrenome Gutjahr ainda existia na Sibéria. Após as nossas tratativas, ele
perguntou-me para onde iria. Respondi-lhe que iria para Irai, a minha terra
natal. Lá queria ver as laranjeiras e as bergamoteiras nas quais trepava quando
menino para saborear os seus deliciosos frutos! Aquelas “laranja de umbigo”,
iguais, nunca mais encontrei. Enquanto eu ia relatando, o Sr. Beirith desatou a
chorar. Eu não entendi o que se passava. Quando perguntei se lhe pudesse ajudar
em algo, ele fez um sinal com a mão, como quem diz: Espere! Quando a sua emoção
havia passado e ele havia enxugado as suas lágrimas, olhou para mim e disse:
"Tu és uma pessoa feliz, pois tu podes voltar para a tua terra natal e ver
como tudo foi e era, mas eu vou morrer e a mim isto não é permitido".
Naquele momento entendi o que significa ter um torrão natal, no qual se nasceu
e no qual se ensaiou os primeiros passos e para o qual se pode retornar quando
a saudade apertar.
Longe, para sempre,
do restante dos familiares e dos amigos, a dor da saudade comprimia o peito e
cortava a alma. Chorar silenciosamente, no travesseiro ou no canto da cabana,
era a única expressão secretamente permitida. Só restava trabalhar duro, para esquecer
a saudade e construir do nada uma nova pátria. Trocaram as imensas planícies
pelo mato e pelos morros. A neve e o frio de 30 - 40 graus negativos pelo calor
sufocante do verão. As casas aconchegantes pelas cabanas cobertas de taquara e
de folhas de palmeiras, tendo por assoalho o chão batido e por companhia os
mosquitos, as aranhas e as formigas. Porém, satisfeitos! por estarem livres! E
sobreviveram! Não tenho conhecimento que algum deles tivesse enveredado pelo
caminho do crime e da contravenção penal, graças ao seu caráter e aos seus
princípios éticos e morais. Com suor e espírito comunitário, construíram casas,
em mutirão fizeram roças, construíram igrejas e escolas. -- Eu tinha de 9 para
10 anos e frequentava a Escola Evangélica Divino Mestre em Iraí. O Pastor de
então, Manfredo Hasenack, hoje aposentado e morando em São Leopoldo, incumbiu
os alunos para empreenderam uma campanha em favor da Obra Gustavo Adolfo. Eu
cheguei na residência de um destes teuto-russos e ofereci a campanha. O chefe
da família não mostrou muito interesse; eu fiquei sabendo mais tarde que ele
havia economizado os seus trocados para comprar uma carroça nova. Sua esposa,
porém, uma senhora muito ativa e bem quista, disse: "Nós vamos colaborar,
sim, pois, a igreja e a escola a gente sempre deve ajudar. A escola educa e a
igreja mostra o caminho".
Pela fé em Deus, eles
suportaram as adversidades, contribuindo por onde passaram econômica, política,
religiosa e socialmente, legando aos seus descendentes um futuro melhor.
Educação e Instrução dos Filhos
Foi uma das maiores preocupações dos pais:
com seis anos e idade já tínhamos que freqüentar a escola. O irmão mais velho,
Alfredo, que não podia ir sozinho 8 km até a escola paroquial ficava na casa da
avó durante o ano letivo. Quando o segundo irmão, o Helmuth, já podia ir à
escola com seis anos, os dois iam diariamente até a escola percorrendo
regularmente 8 Km, com tempo bom, com chuva, ou frio, ou geada não queria
saber. Quando o terceiro, o Guilherme, que também foi um ano mais tarde, os
pais e tios, eram quatro as famílias, construíram uma escolinha, onde o
professor ministrava aulas à tarde, para 12 a 18 alunos, perto da casa. Um
professor estrangeiro já desenvolvia as aulas na língua dos pais duas vezes por
semana. Fazia o que podia, mas nós alunos sabíamos mais “brasileiro” do que
ele. Um exemplo: quando um aluno perguntou “como a coruja entrou num pau oco”,
ele primeiro consultou o dicionário em casa e no outro dia a resposta foi: “É
uma expressão estranha; não é brasileira”. Mas conjugações e variações
gramaticais eram muito bem ensinadas. As outras matérias como leitura,
aritmética e conhecimentos gerais melhoraram muito.
Com seis anos o irmão Alfredo, como não podia
ir sozinho até a escola 8 km sozinho, ficou na casa do avô para freqüentar a
escola paroquial. Quando o segundo irmão Helmuth já podia ir à escola, cada dia
os dois tinham que caminhar da escola até a vila. Também o terceiro filho,
Guilherme, com seis anos cada dia deveria ir á escola, na maioria das vezes a
pé, porque os cavalos eram ocupados para o trabalho na roça. Não importava
chuva ou sol, tempo agradável, dias de frio ou geada, pois não eram motivos
para ficar em casa e gazear as aulas.
O que ajudou foi o intercâmbio com outras
pessoas e principalmente com os tropeiros que despertavam a curiosidade dos
meninos querendo saber cada vez mais e aperfeiçoando a sua linguagem pela
conversa. Mas o mais importante desde pequenos era a escrita e a leitura.
Não era somente isso que se aprendia na
escola, mas em casa havia uma ordem rígida e bem programada, para que tudo
fosse aproveitado e mais tarde pudesse ser de alguma serventia na vida. Desde
os primeiros anos havia material de leitura, religiosos como o Kirchenblatt ou
Lutheraner, ou Walther-Liga-Bote, mais tarde o Jovem Luterano (JELB),
almanaquese anuários como Lutherkalender, Synodalberichte e o Jornal Die Serra
Post, mais tarde o Correio Serrano. Não era simplesmente a presença desse
material, mas o usoe a leitura do mesmo era o mais importante. Assim, que
durante os anos escolares como depois pela leitura, todos os filhos adquiriram
um bom lastro de conhecimento. A mãe, apesar de cuidar bem da família, sempre
tinha tempo para a leitura e era bastante versada em história e conhecimento
geral. Talvez fosse a mulher mais lida e informada na região toda.
O LEMA NA
EDUCAÇÃO: Além de um conhecimento
teórico, o que vale é o prático na vida. Assim os meninos, que eram os mais
velhos, desde pequenos aprenderam que, se sabem sujar roupa, devem saber também
lavar a mesma. Todos deviam aprender a arte doméstica, isto é, remendar roupa,
cozinhar, assar pão, saber carnear porcos e galinhas etc. Pois somente era
repetido: vocês não sabem o que vocês podem precisar no futuro e é bom quando
vocês já aprenderam isto em casa. Mais tarde, quando maiores e as futuras noras
os viessem visitar, todos deveriam ajudar na cozinha onde ouviam certos
conselhos, ditos assim, meio por acaso, como: “Comida gostosa na mesa e cama
fofa mantém a família unida” ou “Quem não souber fazer bem o serviço caseiro
não pode mandar fazer melhor”, ou “Asseio e ordem em casa é o melhor convite
para as visitas”, entre outros. Antes dos filhos aprenderem um oficio ou profissão
deveriam demonstrar que eram colono, agricultor que soubesse lavrar, plantar,
colher e tratar os animais devidamente. O Pai Gottlieb lamentou muitas vezes
que ele não teve a oportunidade de aprender o oficio de que gostava, mas também
não disse qual seria.
Ele
recomendava aos filhos: “Aprendam a ser bons agricultores porque, se depois
vocês não se derem bem na profissão que escolheram o Brasil ainda tem bastante
terra para vocês se sustentarem como colonos. E ninguém me diga que não tenha
aprendido a profissão mais nobre, que é a de ser agricultor”.
A
CEGONHA: Uma visita, vendo tantas boquinhas ao redor e todos sadios e querendo
se tornar nteressante perguntou, quandoa mesa foi posta: “Certamente a cegonha
gostou de vir aqui muitas vezes para trazer tantas crianças?” Mamãe Lidia não
titubeou na resposta: “sim, a cegonha vinha regularmente aqui; nós escolhemos
sempre as crianças mais sadias, fortes, inteligentes e voluntariosas e mandamos
a cegonha levar as outras menos inteligentes, preguiçosas, defeituosas e
trouxinhas para distribuir do outro lado dos montes. Mas as nossas nasceram em
casa e não precisavam de cegonha”. O “engraçadinho” um pouco desnorteado logo
começou outra conversa. ORDEM E OBEDIÊNCIA ERA LEI!
Mamãe
Lidia tinha como lema: “Mais dinheiro para o padeiro do que para o médico”.
Quando as crianças se tornavam mais crescidas, procura a dar uma orientação
mais acurada a respeito da vida familiar dizendo e repetindo muitas vezes? “Um
alimento sadio e nutritivo, trabalho regular e cama fofa conservam a família
mais unida.”
Observando a descendência de Gottlieb e Lidia
Jubin Figur, relativamente às suas atividades e profissões, apresenta-se um
quadro bastante diversificado. Vejamos: pastores, professores, técnicos
agrícolas, carpinteiros, marceneiros, decoradores, mecânicos, torneiros
mecânicos, eletricistas, técnicos em contabilidade, técnicos em serviços de
escritório e de administração, advogados, secretários, bancários, agricultores
e horticultores, inclusive muitos sem terra, militares, funcionários públicos e
burocráticos, entre outras profissões.
Primeiro a Roça: A divisa do pai era: antes
de aprender um oficio, todos os filhos deveriam conhecer os serviços da roça.
Ele dizia: “Se alguém é tão atrasado que não pode saber fazer o serviço da roça
também não é capaz de aprender um oficio. Se aprender o oficio e não der certo,
sempre resta muita terra no Brasil para agricultura. Que nenhum filho meu venha
me acusar de que não ensinei a profissão mais rudimentar, mas de melhor
subsistência”.
Dos doze filhos, apenas três ficaram na roça.
Todos os outros aprenderam ofícios ou profissões rendosas para garantir-lhes a
vida, mas sempre honestas.
O motivo de tal atitude, como ele muitas
vezes lamentava, era: “eu não tive a oportunidade de aprender o oficio que eu
queria, porque a necessidade na roça e a falta de condições o impediram”.
Ao contratar alguém para um serviço, o papai
Gottlieb tinha um segredo: os pretendentes não recebiam resposta de emprego
antes que não tivessem almoçado ou jantado. O modo de servir, a maneira como
deixavam a mesa e o asseio que apresentavam eram decisivos. Cinco ou seis
candidatos nunca chegaram a saber, porque não recebiam serviço ou emprego. Mas
o papai nunca foi enganado por quem que fosse dos empregados.
DABBERN: é a expressão que os judeus usavam
para designar as suas orações. Muitas vezes alguns judeus pediam pouso na casa
de Gottlieb Figur, quando víamos as cerimônias em suas orações matutinas.
Também ao levar o leite à vila, víamos judeus em casa ou mesmo no caminho, com
carroça parada na estrada fazendo suas orações.
A devoção deles era toda concentração, não
permitindo que algo os desviasse do seu dabberra.
Respeitavam ainda a recomendação do Velho Testamento usando uma miniatura e ara
de madeira, altarzinho, na testa e na mão esquerda presa uma fita, tipo trena,
com símbolos ou letras hebraicas, talvez as leis. Enliavam a fita na cabeça e
no braço esquerdo firmando assim a ara e, na mão, o altarzinho. Ao repetir suas
orações não se desviavam de sua concentração por motivo ou força alguma e, na
estrada, não dava passagem a quem quer que fosse.
Aos sábados de manhã o Tab, ancião, reunia seus filhos de 5 a 14 anos onde, ele vestido
com uma pala xadrez em amarelo e marrom e um barrete preto, examinava cada uma
das crianças se sabia a lição de cor e dava lição de religião. As crianças não
sentavam como estamos acostumados, mas andavam soltas pela sala e até
conversavam enquanto outros repetiam sua lição. Igualmente os adultos reunidos
não obedeciam a uma ordem restrita; alguns recitavam orações, outros
conversavam e outros liam livros em voz alta: o seu dabberra era um murmúrio confuso.
Constatamos como os antigos falavam de uma Juden-Sclnde e como ela funcionava.
Segundo a lei, os judeus mesmos não podiam sacrificar os animais ou as aves
para consumo. Quando o Schecter, açougueiro, ou sacerdote deles não o fazia,
pediam a algum estranho ou aos rapazes que vendiam leite que sacrificassem o
animal sem decepar completamente a cabeça. Evitavam ao máximo a contaminação
com banha ou carne de porco.
Motivos da imigração
Não
chegamos, a saber, qual o real motivo, mas a vovó Louise contou que o “vovô”,
como era conhecido o Sr. Rudolf Figur, teria voltado certo dia para casa todo
nervoso e desgostoso tendo dito: “Antes de eu cometer uma asneira ou uma
injustiça, vou para a América, terra de liberdade e de progresso, onde em pouco
tempo poderei me tornar independente e um grande proprietário”. Mas qual seria
o motivo de seu nervosismo não disse. Parece que fora sorteado para o serviço militar,
que era um serviço de sete anos sem voltar para casa uma vez se quer, e também
recomendado a não receber noticias de familiares. Isto parecia ser pior do que
prisão, pois ainda estava sujeito a risco de vida nas campanhas de repressão.
Havia terminado o tempo de “Grande Privilégio” há uns 5 anos e o Imperador
Alexandre III queria introduzir a forçar a russificação de todo o território
russo. Uma das exigências era, para que os que dessem baixa tivessem dispensa
do serviço militar, que deveriam adaptar um nome russo, isto é, “nacional”,
como chamavam. Havia prenuncias de insubordinação e revolta contra as novas
medidas em todo o império russo. Talvez fosse esse o motivo principal e último
da resolução de emigrar. Mas também havia outro, não menos difícil e mais
convidativo: eram muitos os agentes de emigração contratando interessados em
procurar novas terras e bons empregos no Novo Mundo; uma vida que fosse livre e
independente e onde tivessem a ventura de um enriquecimento rápido.
Serviço
Militar: Para escapar do serviço Militar, muitos jovens saiam antes de serem
sorteados. Outros provocavam alguma ferida na perna, prensavam-se em uma
solução de sulfato de cobre, o que nunca mais deixava sará-la. Temos visto isso
no Tio-avô August Maass e em outros desses teuto-russos.
Aqui
cabe mais uma observação de que quase todos ou a totalidade dos atletas da
Polônia, Ucrânia, Lituânia (Lietuva) e da Rússia, propriamente dita, tinham a
aparência física do povo germânico e não se notando tipos físicos de magiares,
tártaros ou asiáticos. Parece que os imigrantes, para formar a “Grande Muralha”
contra os cossacos de Don e Zaparogos, no tempo de Catarina, a Grande, deixaram
a uma característica genética em parte do povo russo.
O Primeiro Trabalho de Rudolf Figur
O primeiro trabalho, o senhor Rudolf
conseguiu em uma mina de ferro, perto de Sabará-MG. A família ficou morando no
Vale do Rio Doce, afastada alguns quilômetros do emprego, de onde a cada
quatorze dias poderia visitá-la. A região e o clima eram muito diferentes do
que já estavam acostumados. Muito calor, muita chuva e o que mais estranhavam
era a quantidade de cobras, que a cada enxurrada vinham arrastadas pela
correnteza. A vovó Loiuse, contava que certa vez passara por maus momentos com
os dois filhos quando uma Urutu perseguida pelos seus cachorros veio até dentro
da casa e se abrigou de baixo da mesa, fazendo-a se abrigar em cima da mesa por
mais de uma hora até a cobra ir embora. Essas circunstâncias motivaram a
mudança para outro lugar, e lá se foram para outro lugar, onde o clima fosse
mais ameno e sem tantas cobras perigosas. E lá se foram para o Rio de Janeiro,
para se incorporar a onda de imigrantes, principalmente russos e poloneses que
migravam para o Paraná, onde o clima era mais favorável.
NOVOS RUMOS: embarcados em um navio costeiro,
encontraram um ex-marujo alemão, que os desaconselhou a irem a Campo de
Tenente, ou a uma das colonizações do Paraná. Na região haviam muitos polacos,
russos e muito teuto-russos, conhecidos como russos-alemães, na Região da Lapa
e Rio Negro, onde fundaram seus aglomerados como Friedrichtal e Mariental bem
como bucovinos em Rio Negro e Mafra. Mas o seu novo amigo soube pegá-los em um
ponto mais fraco, oferecendo uma opção melhor: São Francisco, Blumenau ou
Joinvile, em Santa Catarina, onde já havia colônias alemãs a mais de 40 anos,
com todos os recursos e mais possibilidades de emprego. A possível aquisição de
terras por preços e condições muito favoráveis era bastante convidativa. Mas o
que fazer se o resto do dinheiro que tinham era suficiente para comprar as
passagens somente a te Paranaguá-PR? Também ali o novo amigo apresentou uma
solução para chegarem até São Francisco. Eles deveriam esconder-se entre as
bagagens do navio até que o mesmo zarpasse do porto e, quando estivessem em
alto mar, seriam descobertos, mas a marujada não iria voltar para deixá-los no
porto. Na primeira escala, porém, seriam postos em terra. Felizmente já
estariam no ponto almejado embora devessem chorar e lamentar o seu azar fingido
por terem perdido o destino. Os marujos os deixariam em São Francisco-SC com um
sentimento de gozação, mas dando uma lição aos “gringos” para que conhecessem a
esperteza dos brasileiros.
Dito
e feito deu tudo certo! Mesmo ouvindo alguns nomes impróprios e xingões dos marinheiros,
mas fariam como se estivessem agradecidos por terem ajudado a chegar até lá.
Como não sabiam o que os marujos esbravejavam, os ‘pretos’ sentir-se-iam
satisfeitos em poder “xingar” bastante uns “burros alemães”, caroneiros e
molestadores. Mas a família teve mesmo sorte. Quando desembarcados, os homens
se safaram indo imediatamente para a cidade de modo a não serem alcançados
pelos marujos para tirar algumas das poucas coisas que tinham como pagamento
pela “carona”. As mulheres e as crianças pequenas chorando no cais não seriam
molestadas pelos marujos. À noite os homens voltaram para buscar os seus
familiares e os seus pertences (que não eram muitos), mas chegaram onde
queriam. Logo encontraram uns “Landsmaenner”, patrícios alemães com os quais podiam
entender-se bem, recebendo as primeiras orientações e ajuda, além de darem uma
mão para estabelecê-los. Foram recebidos com alegria e contentamento, porque
vieram mais “Landsleute”. Esses patrícios já um tanto práticos nas lidas e
atividades agrícolas, os levaram por pinguelas, picadas, caminhos estreitos e
tortuosos, através de matas cerradas até Jaraguá do Sul-SC, onde foram
construir seu lar e seu futuro. Escolheram o lote levantando um rancho com
lascas de árvores e troncos de palmitos, cobrindo-o com as folhas dos
“palmídeos”, cujo miolo deu também o primeiro alimento. Havia abundância de
peixes no rio. Também conheceram o “aipi”, aipim, cará, taiá e frutos como
banana, goiaba e outros. Em pouco tempo já produziam tudo para subsistência.
Pensavam em construir uma morada mais confortável, o que não seria difícil,
pois manejavam bem as ferramentas e eram acostumados a lidar com madeira em sua
terra natal. Sabiam aproveitá-la bem. O machado, o serrote, os machadinhos e o
enxó deram forma e utilidade à madeira abundante. A nova colônia para onde
vieram logo recebeu novos moradores. A orientação e a ajuda dos que já
conheciam o Brasil eram de muita valia para os recém-chegados. Em poucos anos a
sua “Tiefe”, como chamavam as linhas, era um lugar próspero e desenvolvido.
Inicialmente
a vida social deixava muito a desejar. Principalmente na escola, onde se
apresentavam como “professores” elementos desqualificados e moralmente pouco
recomendáveis. Eram soldados desertores, marinheiros fugidos, barbeiros e alfaiates
bancorrotados, entre outros e eram sustentados pelos colonos, porém nada
entendiam de pedagogia e educação. Esses elementos felizmente logo davam no PE,
antes que pudessem ser penalizados. Com o correr do tempo isso mudou
completamente e as escolas foram melhor aparelhadas com professores capacitados
ministrando aulas. Por isso o pobre GOTTLIEB foi privado de instrução com tais
“professores” vagabundos. Mal sabia assinar seu nome por frequentou três meses
de aula. Além disso, tinha que ajudar seu pai na lida da roça e no sustento da
família.
Espiritualmente
os protestantes eram servidos regularmente ainda que intervalos maiores por
causa da distância, por pastores luteranos da “Gottes-Kasten Synode”
sustentados por missões da Alemanha, mas eram pastores leais e fiéis. Só para
citar um exemplo: o velho pastor Schuluenzen não só atendia Blumenau e Jaraguá,
em Santa Catarina, como também atendia Rio Negro, Mariental, Friedrischstal,
Papagaios Novos, Palmeira e outros lugares no Paraná.
Para
reforças o orçamento familiar e, com planos de emancipar GOTTLIEB, o filho mais
velho, Rudolf Figur empregou-se na HERMANN WEEG. Classificava fumo,
acondicionava manteiga e banha em barricas de madeira, empacotava carne seca
para remeter essas mercadorias pelo Porto de São Francisco ao Rio de Janeiro.
Com o ganho regular e as economias da família providenciaram a aquisição de
terras para o filho mais velho que pretendia se casar, com 20 anos de idade,
com Lidia Jubin de 19 anos.
GOTTLIEB
depois de 3 anos de casado, instalando-se já por conta própria, soube de novas
colonizações em Ijuí e Erechim no Rio Grande do Sul, onde as terras sendo mais
planas eram próprias para a cultura do trigo, milho, aveia, cevada, centeio e
batatas, como na Rússia. Não custou muito para a família se mudar para essas
regiões mais propicias às culturas europeias. De acordo com o plano feito
GOTTLIEB com a família, seus sogros e cunhados, iriam se aventurar a viagem e
explorar as condições e o ambiente. Depois de dois meses de viagem chegaram a
Erechim. Nessa época também vieram outros parentes para a colônia de Ijuí o que
atraiu os demais membros da Família FIGUR a aproveitarem as condições
favoráveis e convidativas do Rio Grande do Sul.
A
escolha do lote de Rudolf Figur não foi difícil, pois viera com alguns
recursos. Além disso, os filhos de Gustav, recém-casado com Ottília Schade,
Emília, solteira, que logo casou com Gustav Jubin, Roberto e Alexandre, ambos
solteiros, ajudaram na instalação da colônia (que seria onde hoje está
instalada a nova prefeitura de Getúlio Vargas).
Com
personalidade, caráter, iniciativa de ação e visão prática não custou construir
uma casa confortável e de boa aparência, demonstrando gosto pela estética. A
casa chamava atenção de quem por lá passasse. Com trabalho e muita disposição
as plantações mostravam capricho e desenvolvimento. Com boas colheitas, apesar
de uma praga de gafanhotos ter devorado as culturas da primavera, mas que não
foi motivo para desanimar. Após poucos anos, foi desafiado a tomar novas iniciativas.
O progresso e o crescimento da vila tornaram premente e muito necessário o
estabelecimento de um meio de transporte da Estação Ferroviária até o centro da
vila, correspondendo a uma distância de 5 Km. Em pouco tempo os viajantes
podiam contar com uma condução regular e cômoda. O Sr Rudolf Figur, conhecendo
a fabrica de seges, ou jardineiras de Jaraguá-SC, importou dois desses veículos
e constituiu uma “frota de transporte” de seges. No horário do trem de
passageiros elas levavam os viajantes à Estação, ou de lá até a vila. Mas as
viagens não se resumiam a esse trecho somente, também atingiam o interior e
vilas ou cidades mais distantes, como Sananduva, Sete de Setembro, hoje Charua,
Lagoa Vermelha e outras. O que chamava a atenção era a tal “Brautkutsche”, sege
ou jardineira de noivas. Os que não queriam ir de carroça ou a cavalo até o
casamento civil ou religioso alugavam um coche, isto é, a “sege nupcial”
(sege=coche).
Em
1923 Rudolf Figur vendeu a “frota” para a firma Bianchi, porque o filho Roberto
havia se casado e o filho Alexandre não quis continuar no ramo de transporte de
passageiros.
Mecanizar
a agricultura era o sonho de Rudolf Figur. Em 1925 ele comprou a primeira
trilhadeira manual da firma Heidrich, de Montenegro-RS em condições muito favoráveis
e boas. Ele não titubeou em adquirir esse mecanismo, tocado por um grande
volante que 2 ou 3 homens moviam. Era o único da região, e muito admirado por
muitos curiosos, que também experimentavam mover essa trilhadeira com bastante
esforço e em compasso ritmado.
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